segunda-feira, 12 de junho de 2017

O CORPO

"O caminho da pessoa, o projeto de sua obra, também é o seu ser semeado (o adiamento e a omissão estabelecem a vida provisória).
A obra é um trabalho a ser trabalhado.
É o trabalho que revela a obra e o artista. Este trabalho, sempre, é um processo (de conhecimento).
Sabemos que as necessidades da vida interior precisam de um tempo. De um tempo trabalhado. Eu diria (elas impõem) um ritmo na terra, As sensações possuem um ritmo lento: são, primitivamente lentas.
Lentas como uma fonte.
O corpo assim como forma, como ritmo, como intimidade, como figura. O seu sentir, o seu simbolismo (pois, 'a concentração exclusiva nos aspectos exteriores de um universo espiritual, equivale à própria alienação' nos lembra M. Eliade).
Todo caminho individual não segue padrão. O caminho revela-se à medida que é percorrido. O caminho percorrido é a pessoa em tanto que projeto, que vir-a-ser. Penso que é necessário apagar a história individual. É necessário envolver-se todo com a vida. É necessário expor-se.
'Navegar é preciso.' _ diziam os navegantes.
Costumo chamar de geografia sentimental o conjunto de elementos (imagens, coisas, objetos, ditos, presenças) que constitui ou forma o ambiente onde o artista e o poeta trabalham, o lugar onde todo criador se situa por excelência. Note-se, aliás, que os detalhes destes ambientes constituem uma espécie de apoio natural (de analogias) para sua localização emotiva, seja, para sua predileção dentro de uma geografia que permeia o processo.
Como já disseram, a arte não faz parte do reino das utilidades, portanto não é útil, a função do artista seria o estabelecer trocas.
Leia-se troca de valores.
Assim, por extensão, a função social do artista seria (com sua obra, com seu trabalho) o estabelecer as trocas _ a festa, quer fosse dos sentidos, das emoções ou do conhecimento, de uma pessoa ou de um povo. O artista é aquele que abre para nós a festa.
A festa é sempre à margem. (À margem não quer dizer marginalizado; é outra coisa.) À margem da estrada, para não interromper o trânsito, isto é, o que é permitido.
A festa, pois, instaura uma transgressão.
A festa instaura a possibilidade de uma troca de relações e identidades. E, como lembra Von Franz, 'é o relacionamento que dá vida às coisas'."
(Sergio Lima em O corpo significa, edição de 1975)


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