terça-feira, 13 de junho de 2017

Uma partilha poeticodançada para aguar raízes juntos

Durante a viagem me assombrou a presença constante da morte nessa estrada toda, sem cessar... Ainda me assombra... A seca, a sede, a fome, o assassinato, o abandono, tudo isso que faz um coração bater aos berros... Nas páginas do meu diário falei muitas vezes do cheiro da morte cobrindo toda a paisagem olfativa da caminhada... Hoje, revendo imagens e passos, percebo que a morte é um momento apenas, passageiro como a vida, talvez até mais ínfimo... O que tem cheiro, perdura, se espalha, é a decomposição, como um grito de vida no vento, vida estranha, se refazendo, sem forma, virando adubo para outros nascimentos... A decomposição onde a morte e a vida se encontram em micro-vidas que brotam enquanto comem e adubam porque consomem aquilo que já não é... E cheiram forte enquanto lutam em sua passagem rápida no tempo pela existência de outras novas formas naturais...

Receber cada um, cada olhar, cada abraço, cada assombro compartilhado nesse 12 de junho foi e seguirá sendo uma imensa dádiva a esse corpo-ciclo que vivo, nessa lida gerúndia de nascer. Muito obrigada pela presença de cada um de vocês nesse mundão nosso!
Na noite de ontem uma etapa importante foi concluída mas Diário corporal - um caminho de retorno não vai parar, porque no final das contas, por mais longe que andemos, de um jeito ou de outro, sempre estamos voltando aos velhos sítios onde amamos a vida, essa passagem...
Fotos de Ju Brainer








segunda-feira, 12 de junho de 2017

O CORPO

"O caminho da pessoa, o projeto de sua obra, também é o seu ser semeado (o adiamento e a omissão estabelecem a vida provisória).
A obra é um trabalho a ser trabalhado.
É o trabalho que revela a obra e o artista. Este trabalho, sempre, é um processo (de conhecimento).
Sabemos que as necessidades da vida interior precisam de um tempo. De um tempo trabalhado. Eu diria (elas impõem) um ritmo na terra, As sensações possuem um ritmo lento: são, primitivamente lentas.
Lentas como uma fonte.
O corpo assim como forma, como ritmo, como intimidade, como figura. O seu sentir, o seu simbolismo (pois, 'a concentração exclusiva nos aspectos exteriores de um universo espiritual, equivale à própria alienação' nos lembra M. Eliade).
Todo caminho individual não segue padrão. O caminho revela-se à medida que é percorrido. O caminho percorrido é a pessoa em tanto que projeto, que vir-a-ser. Penso que é necessário apagar a história individual. É necessário envolver-se todo com a vida. É necessário expor-se.
'Navegar é preciso.' _ diziam os navegantes.
Costumo chamar de geografia sentimental o conjunto de elementos (imagens, coisas, objetos, ditos, presenças) que constitui ou forma o ambiente onde o artista e o poeta trabalham, o lugar onde todo criador se situa por excelência. Note-se, aliás, que os detalhes destes ambientes constituem uma espécie de apoio natural (de analogias) para sua localização emotiva, seja, para sua predileção dentro de uma geografia que permeia o processo.
Como já disseram, a arte não faz parte do reino das utilidades, portanto não é útil, a função do artista seria o estabelecer trocas.
Leia-se troca de valores.
Assim, por extensão, a função social do artista seria (com sua obra, com seu trabalho) o estabelecer as trocas _ a festa, quer fosse dos sentidos, das emoções ou do conhecimento, de uma pessoa ou de um povo. O artista é aquele que abre para nós a festa.
A festa é sempre à margem. (À margem não quer dizer marginalizado; é outra coisa.) À margem da estrada, para não interromper o trânsito, isto é, o que é permitido.
A festa, pois, instaura uma transgressão.
A festa instaura a possibilidade de uma troca de relações e identidades. E, como lembra Von Franz, 'é o relacionamento que dá vida às coisas'."
(Sergio Lima em O corpo significa, edição de 1975)


domingo, 11 de junho de 2017

Diário corporal só é o que em transformação constante se aduba porque há muita gente linda ao meu lado. Com o coração jorrando amanheço na véspera desse novo encontro agradecendo:
À minha mãe e ao meu pai, por serem quem são, exatamente como são... E por terem me ensinado tanto que também e principalmente nos maiores desafios e desesperos é possível seguir na simplicidade e grandeza de amar com admiração e respeito a si e ao outro, sempre...
À minha avó Cordeira, pelas histórias partilhadas e pelos lindos momentos de choro e riso que isso nos deu... E muito por me ensinar desde cedo e com tanta autenticidade a força de rir de si mesma, gargalhando, mangando mesmo, sem pena...

Ao Coletivo Lugar Comum, todos e cada um, família e casa que me abriga com tanta liberdade, por essa troca profunda que temos, que é de um milagre sem tamanho nesse mundo nosso...
A Samarone Lima, pelo amor que se transforma por sua própria natureza em amor também e pela poesia que nos une e será sempre a nossa fonte diante da violência da vida...
Aos meus amigos Fulni-ô, essa família antiga que a estrada me deu de presente, onde me sinto acolhida e me reconheço e muito a Xicê de Sá, Dora, Dorinha, Luzia e Marinês... Ainda comeremos juntos na esteira muitas vezes nessa caminhada...
Thales Branche, muito, por tudo o que é e por desafiar tão lindamente as geografias voando comigo na estrada e nos sonhos, mesmo de longe... E por se deixar desaguar num infinitamente belo violão ‘acompanhante’ ecoando meu canto de proteção aos mortos e sagração às águas com uma força divinamente única...
A toda equipe do projeto desde que foi sonhado a primeira vez, em 2014, gratidão infinita: Luciana Raposo, que estava juntinho me ensinando muito sobre os recursos que tínhamos e a distribuição do que somos; Maria Agrelli, que desde o início da ideia acreditou e inspirou e inspirará sempre o meu corpo poeticodançante no mundo; Nathalia Queiroz, que assina a arte das peças gráficas e Vi Laraia, hermana de longas vidas, que fez a produção de tudo, viagem, oficinas, mostra... Gracias Vica!
Muito obrigada minha gente, gente minha, eternamente, por me dar espaço na vida de vocês para me oferecerem essa dádiva sem fim de serem parte do meu caminho!